Poesia - Dorival Fontana

The Great Depression ~ David Lewis, 1912
1º de Maio

Se me falta trabalho
antes me falta disciplina.
O serviço anda escasso
e eu me encontro inapto
na fila do desemprego.
Sei que tenho força, mas
não tenho vontade,
se tenho vontade
logo se esgota e
a força nenhuma
vontade é legítima.
Trabalho sujo não é comigo,
lavo as mãos se for preciso
e como a água anda em falta,
melhor procurar algo mais limpo.
Trabalho pesado me afunda
até o pescoço.
Trabalho leve se vai com qualquer
pé de vento.
Trabalho sentado me dói as costas,
em pé me dói as pernas.
Trabalhar a noite é de dar sono,
de dia é de tirar o sono.
Trabalho seguro só em filme pornô,
como dublê de corpo,
com camisinha reforçada,
seguro de vida e pagamento adiantado.
Nos classificados me desclassifico.
Todas as vagas disponíveis estão
aquém do meu curriculum...
e para falar a verdade,
ficar procurando vaga
é negocio para manobrista.
Tem auxiliar disso! Técnico daquilo!
Atendente de não sei o que!
De boa aparência!
        ⁃        E má aparência?
Se me falta interesse é porque
trabalhar não é nada interessante.
Não fujo do batente,
não é questão de preguiça
ou ausência de inteligência,
o que me falta mesmo
é a oportunidade de provar
a minha total incompetência.
Encaro qualquer empreitada,
em qualquer dia e em qualquer horário,
também durmo no serviço se for necessário,

só não me acorde na hora errada.
Procurar emprego não é tarefa simples,
deveria ser uma função a ser remunerada.
São tantos testes: conhecimentos gerais,
específicos, psicotécnicos... até testes
para avaliar se o candidato reúne
condições para fazer o teste.
Cansei de ouvir as mesmas justificativas:
        ⁃        Desculpe. Todas as vagas foram preenchidas.
        ⁃        Deixe seu curriculum. Entraremos em contato.
Continuo na dura labuta,
a procura do emprego inexistente.
Faz tanto tempo que nem me lembro,
poderia até solicitar aposentadoria compulsória...
pois, procurar emprego, tornou-se a minha
principal desocupação.